11 leis e projetos de lei contra desinformação na América Latina: penas de prisão e risco de censura

Assim como no resto do mundo, na América Latina a desinformação e as fake news se espalham rapidamente e causam danos sociais, impactado políticas públicas processos eleitorais, entre outros prejuízos. Dessa forma, diversos governos e legisladores do continente têm proposto e aprovado leis para coibir a prática, inclusive com penas de prisão.

Apesar de a regulação das grandes plataformas digitais ser uma tendência mundial, como mostram os exemplos recentes de Estados Unidos e União Europeia, há uma preocupação de que leis específicas que responsabilizam o indivíduo pela circulação de desinformação possam ser usadas para atingir adversários políticos e jornalistas.

Uma resolução de outubro da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) condenou recentemente propostas de criminalização de fake news. A organização pede que governos abandonem projetos de lei deste tipo no continente.

Carlos Jornet (SIP): o propósito louvável de regular desinformação pode esconder outros objetivos e levar à censura. Foto: cortesia

Carlos Jornet (SIP): o propósito louvável de regular desinformação pode esconder outros objetivos e levar à censura. Foto: cortesia

“Por trás de projetos que se apresentam com o propósito louvável de evitar esse perigo, em geral se escondem outros objetivos, que só tendem à censura ou autocensura, para neutralizar o jornalismo investigativo ou silenciar oponentes,” disse à LatAm Journalism Review (LJR) Carlos Jornet, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP.

A Venezuela incluiu em 2005 no seu Código Penal uma lei que criminaliza a divulgação de informações falsas. Com o avanço do autoritarismo no país, ela se tornou mais um instrumento do regime de Hugo Chávez e depois de Nicolás Maduro contra a imprensa independente.

Em 2020, a lei de delitos digitais da Nicarágua gerou uma onda de críticas das organizações de defesa da liberdade de imprensa. O jornalista nicaraguense Wilfredo Miranda, que escreve para El País e Divergentes, afirma que o governo pretende, com esta lei, calar vozes críticas e o jornalismo independente.

“O governo decide que se trata de uma notícia falsa e pode condenar um jornalista à prisão ou multa. (…) [cria] um arcabouço jurídico para sua narrativa desqualificadora contra a mídia e os jornalistas, que nos acusa de divulgar notícias falsas,” disse Miranda à LJR.

O especialista em desinformação da ONU Matias Ponce acredita que qualquer proposta para regular e coibir a desinformação precisa ser feita através de um sistema independente do poder político, com regras claras, freios e contrapesos, “para que isso não acabe se tornando uma perseguição da imprensa.” Ele reconhece a dificuldade para se conceber um sistema dessa magnitude:

Matías Ponce (ONU): difícil regular sem cair na censura. Foto: cortesia

Matías Ponce (ONU): difícil regular sem cair na censura. Foto: cortesia

“Há, como dizemos em espanhol, a expressão ‘quem põe a campainha para o gato’ ( quién le pone el cascabel al gato), isto é, quem vai regular estes se nem mesmo os governos dos Estados Unidos e da própria União Europeia têm sido capazes de regular as plataformas de mídia social,” disse Ponce, que é autor de Fakecracia, à LJR. “Creio que é muito complicado que os países menores em termos de poder global como nos países latino-americanos possam realmente regular dentro de seu país e sem cair na censura.”

Neste artigo, a LJR fez um levantamento de diversas iniciativas legislativas em países da América Latina para prevenir ou punir criminalmente as chamadas fake news.

Argentina: ‘pesquisas’ sobre notícias maliciosas

O governo da Argentina lançou em outubro de 2020 o Observatório de desinformação e violência simbólica em mídias e plataformas digitais (NODIO) com o objetivo de “proteger os cidadãos de notícias falsas, maliciosas e falácias” que circulam na internet.

A criação do NODIO gerou críticas pelo fato de ser vinculado à Defensoria do Público, por sua vez um órgão criado pela Lei de Medios, que regula os meios de comunicação na Argentina.

Em resposta, o órgão informou que se ocupará da pesquisa qualitativa e quantitativa da violência simbólica e das notícias maliciosas já veiculadas. “Não há intenção de exercer, controlar ou fiscalizar os trabalhos de imprensa, atividades incompatíveis com as funções da Defensoria Pública.”

Brasil: projeto de lei exclui empresas jornalísticas 

O projeto que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet foi aprovado no Senadoem julho e atualmente está em tramitação na Câmara, onde outros 50 projetos de lei tratam do tema.

A chamada “Lei das Fake News” explicitamente exclui empresas jornalísticas do seu escopo. O projeto tem a oposição do presidente Jair Bolsonaro, que ameaça vetá-la caso passe no Congresso.

O objetivo da lei é combater a disseminação de informações falsas na internet através da regulação de plataformas de redes sociais, como Facebook e Twitter, e de serviços de mensagens privadas, como Whatsapp, responsabilizando estes provedores pelo combate à desinformação.

Popularmente chamada de “Lei das Fake News”, a proposta prevê a identificação de usuários e de contas automatizadas (os robôs), além de exigir maior clareza sobre conteúdo patrocinado.

Chile: proposta de prisão e multa para crime de ‘notícia falsa’

Pelo menos três projetos que regulam e punem a propagação de desinformação na internet estão em tramitação na Câmara de Deputadas e Deputados do Chile.

Uma delas tipifica no Código Penal o crime de “difundir notícias falsas que perturbam a ordem social ou causam pânico na população,” com pena de prisão.

Outra, inspirada pela pandemia de COVID-19, prevê pena de até US$ 14 mil para quem propagar “por redes sociais ou outros meios de comunicação, notícias falsas destinadas a prejudicar o trabalho das autoridades em períodos de crise sanitária.”

Uma terceira iniciativa pede pena de prisão e multa de até US$ 7 mil para quem espalhe “acusações, denúncias ou notícias que se refiram a fatos capazes de alterar a sinceridade do processo eleitoral.”

Colômbia: proibição de falar mal de políticos

A proposta de reforma eleitoral da Colômbia pretendia classificar como “violência política”, e portanto proibir, a divulgação de “de notícias falsas ou injuriosas (…) por meio de propaganda ou publicidade regulamentada neste código”. O trecho foi retirado do projeto após pressão social contra o que se classificou como “proibição de falar mal de políticos.”

A iniciativa é a mais recente de uma série de outras propostas legislativas com o mesmo tema no país. Como, por exemplo, o projeto de lei de 2017 que queria proibir a criação de perfis anônimos em redes sociais para “difundir notícias falsas que podem causar confusão ou pânico na população,” mas foi arquivado.

El Salvador: proposta de cinco anos de prisão

Uma proposta em tramitação desde março de 2020 quer acrescentar ao Código Penal uma pena máxima de até cinco anos de detenção para aquele que “anunciando desastres, acidentes ou perigos inexistentes, suscitar alarme de autoridades ou pessoas particulares.”

Nicarágua: lei da mordaça e prisão

Wilfredo Miranda, jornalista da Nicarágua: a iminente entrada em vigor da lei de delitos digitais levará jornalistas a se calarem. Foto: cortesia

Wilfredo Miranda, jornalista da Nicarágua: a iminente entrada em vigor da lei de delitos digitais levará jornalistas a se calarem. Foto: cortesia

O Parlamento da Nicarágua aprovou em outubro de 2020 a lei contra delitos digitais, “cometidos com o uso de tecnologias de informação e comunicação”, que teve o apoio do presidente Daniel Ortega.

Além de crimes como roubo de dados, espionagem digital e hackeamento, a legislação criminaliza a divulgação de informações falsas na internet, crime que prevê pena de dois a cinco anos de prisão, que pode chegar a oito em caso de agravamento. A nova legislação entra em vigor em 2021 e preocupa jornalistas do país.

“Acho que é esse o dilema que alguns colegas do jornalismo terão. Há quem ficará calado para evitar a prisão porque são penas de um a oito anos por publicar vazamentos (…) No meu caso não vou calar mas é uma decisão que cada um deve tomar se vai continuar fazendo jornalismo, se não vai calar diante da clara ameaça desta mordaça” disse Miranda.

Panamá: prisão por desinformação eleitoral

Uma proposta atualmente em discussão na Comissão Nacional de Reformas Eleitorais cria penas de 1 a 2 anos de prisão para quem divulgar desinformação “prejudicial a qualquer processo eleitoral ou aos serviços prestados pelo Tribunal Eleitoral”.

Peru: dois anos de prisão

Em outubro de 2020, um grupo de deputados apresentou um projeto de lei com a finalidade de proibir a divulgação de notícias falsas como propaganda eleitoral. A mudança na lei orgânica das eleições quer prisão mínima de 2 anos para quem divulgar conscientemente “de forma deliberada, artificial, automatizada e/ou massiva através de um canal de comunicação massivo ou rede social.”

Paraguai: projeto contra informações falsas que gerem pânico

Um projeto de lei de março de 2020 pretendia coibir a difusão de informações falsas durante a pandemia do COVID-19. O texto original previa pena de multa para quem “divulgar intencional ou maliciosamente, por qualquer meio, informações falsas que gerem pânico na população, vinculadas a alerta epidemiológico, ou declaração de emergência sanitária.”

“Este artigo da lei, a pretexto de combater a desinformação ou a informação falsa, pode gerar um retrocesso no que diz respeito aos direitos fundamentais das pessoas e, sobretudo, colocar em risco a liberdade de expressão,” argumentou Maricarmen Sequera, diretora-executiva de TEDIC, no blog da organização. O TEDIC é uma ONG paraguaia que desenvolve tecnologia cívica aberta e defende os direitos digitais por uma cultura livre na Internet.

Depois das críticas, o projeto de lei foi retirado pelo seu autor.

Uruguai: acordo entre partidos contra fake news

Em 2018, uma proposta de criminalização de desinformação eleitoral previa pena de até quatro anos de prisão. O escopo era amplo, incluindo “palavras escritas, canções, símbolos, imagens, gravações ou vídeos, que enganam os eleitores”.

O projeto não foi adiante, mas os partidos políticos firmaram um pacto contra as fake news na campanha eleitoral de 2019, depois de iniciativa da Associação da Imprensa Uruguaia (APU, na sigla em espanhol).

“Se há algo mais perigoso do que uma notícia falsa que circula com espantosa facilidade nas redes, e que muitos consideram verdade, é uma lei que pune a sua divulgação,” escreveu o professor de jornalismo Tomás Linn, da Universidade Católica do Uruguay. “Por mais que uma lei desse tipo seja projetada, ela será inevitavelmente usada de forma arbitrária e acabará sendo um ataque flagrante à liberdade de expressão.”

Venezuela: pioneiro no pior sentido

A Venezuela é um pioneiro na criminalização de notícias falsas na América Latina. A reforma do Código Penal em 2005 introduziu o artigo 297-A, que pune com até cinco anos de prisão indivíduos que “divulguem em qualquer meio informações falsas que causem pânico”.

Com base nesse artigo, por exemplo, jornalistas que cobriam a pandemia de COVID-19 no país foram presos após publicarem informações sobre casos de coronavírus. O país, sob Hugo Chávez e depois Nicolás Maduro se converteu no país que mais encarcera jornalistas na América Latina.

Fonte: Júlio Lubianco/ LatAm Journalism Review


Warning: A non-numeric value encountered in /home/storage/8/f8/9e/sindjorce/public_html/wp-content/themes/Newspaper/includes/wp_booster/td_block.php on line 705

DEIXE UMA RESPOSTA