Corte de salários e suspensão de contratos de trabalho atingem 196 jornalistas no Ceará

Trabalhando em jornadas mais extensas, sob pressão psicológica e risco de vida, os jornalistas brasileiros estão entre as categorias de profissionais que não pararam durante a pandemia do novo coronavírus. No entanto, apesar de considerada serviço essencial, a atividade jornalística vem sendo exercida de forma ainda mais precarizada, com a redução salarial, a suspensão temporária dos contratos de trabalho e a nova dinâmica do teletrabalho (home office). Ou seja, as operárias e os operários da notícia estão pagando a conta da crise econômica do setor, agravada pela Covid-19.

No Ceará, segundo levantamento do Departamento de Mobilização, Negociação Salarial e Direito Autoral da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), pelo menos 196 jornalistas foram atingidos pela Medida Provisória 936/2020, que foi convertida na Lei 14.020/2020, criando o Programa Emergencial de Emprego e Renda. A lei, que permite redução de jornada e de salário e suspensão do contrato de trabalho durante a pandemia, foi aprovada no dia 16 de junho, no Senado, e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 6 de julho.

Do total de jornalistas afetados no Estado, 187 sofreram exclusivamente redução salarial, sendo 179 deles com diminuição de 25% do salário, três com redução de 50% e cinco com 70%. Já outros nove profissionais tiveram os contratos suspensos. E desde o início da pandemia, ao menos 28 trabalhadores foram demitidos.

A nova lei permite que empresas façam acordo direto com o empregado, sem o sindicato, para diminuir a jornada e o salário, ou suspender o contrato de trabalho por tempo determinado. Para compensar os trabalhadores atingidos, a legislação criou o Benefício Emergencial (BEM) pago pelo governo, que pode chegar até R$ 1.813,03 por mês.

Permanece a obrigatoriedade de comunicar ao sindicato, quando do ajuste direto entre empregado e empregador, no prazo de até 10 dias para que esse tome conhecimento do que foi firmado. Lembra-se que isto não quer dizer que o sindicato terá que ser parte nos acordos individuais, mas apenas que este deve ser comunicado do que ocorreu, sendo este um critério de validade para os acordos.

Decreto amplia reduções e suspensões

Com a Lei, a suspensão de contratos poderia ser feita por até dois meses, e a redução de salários e jornadas de trabalhadores por até três meses. A legislação prevê que essas condições podem ser ampliadas enquanto durar a pandemia, por decreto presidencial.

Sendo assim, através do decreto Nº 10.422, publicado na terça-feira (14/07), o Governo Federal prorrogou a redução de jornadas e de salários por trinta dias, totalizando quatro meses. E o acordo que trata da suspensão de contratos foi prorrogado por 60 dias, também totalizando quatro meses. O dispositivo vale até quando durar o período de calamidade pública (31 de dezembro). No entanto, nestes casos, as empresas precisam fazer novos acordos individuais com os trabalhadores para prorrogar as reduções e suspensões.

Para o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce) e integrante do Departamento de Mobilização da FENAJ, Rafael Mesquita, a MP 936 transferiu o custo da crise ao trabalhador, autorizando duas duras medidas sobre o salário do empregado formal. “Essa MP provocou redução em massa dos salários dos trabalhadores formais no país e veio na contramão do que ocorre em muitos países, que adotam medidas concretas de proteção ao emprego e à renda”, frisa.

Trabalhador paga custo da crise

Mesquita destaca que outro dano da MP, hoje lei, foi a permissão de negociação direta entre empregador e empregado, para os casos de redução salarial e suspensão temporária de contratos. Ou seja, uma clara afronta à natureza coletiva das negociações salariais. “Na prática, o trabalhador não tem direito de escolha”, justifica. O dirigente acrescenta que o Sindjorce chegou a procurar os patrões para firmar acordos coletivos que garantissem melhores condições do que as estabelecidas no texto da lei (quando ainda era MP), recebendo negativa da maior parte deles.

É o caso do Sistema Jangadeiro, que chegou a discutir acordo, mas interrompeu o processo com a organização laboral após ser proposto um programa de recontratação de demitidos após a pandemia. Só esta empresa, pertencente à família do Senador Tasso Jereissati (PSDB) foi responsável pela demissão de 20 trabalhadores do setor de jornalismo e quase uma centena em outras áreas.

Houve, no entanto, uma exceção. Embora sem pactuar acordo coletivo, o maior empregador, o Sistema Verdes Mares, aplicou ajuda compensatória a todos os 124 afetados com a redução de 25%, de forma a preservar quase a totalidade da renda que o funcionário tinha antes da implantação da lei. “Isso foi uma exceção, pois na maioria dos acordos individuais assinados, de acordo com os sindicatos que responderam ao questionário da FENAJ, não houve a concessão de nenhuma ajuda compensatória”, comenta Mesquita.

Ceará é o sexto estado mais afetado pela MP 936

Ainda conforme o levantamento da FENAJ, dos 16 sindicatos, de 15 estados brasileiros que responderam à pesquisa, os profissionais de jornalismo do Ceará estão na sexta unidade da Federação mais afetada pela MP 936 e legislação decorrente.

Os cearenses estão atrás dos jornalistas da Capital do Rio de Janeiro (1.204 afetados), e dos estados de São Paulo (1.175), Paraná (374), Distrito Federal (230) e Santa Catarina (213).

Pesquisa da FIJ aponta redução salarial

Pesquisa realizada pela Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) em todo o mundo mostra que a pandemia afetou os salários da categoria no Brasil. Segundo o levantamento, 59,18% dos trabalhadores brasileiros responderam que tiveram reduções salariais/corte de benefícios ou perderam seus empregos, ao passo em que 40,82% responderam que não foram afetados negativamente em questões financeiras.

Uma dimensão evidenciada nos dados da FIJ foi a emocional. Dos jornalistas que responderam a pesquisa, 177 relataram aumento da ansiedade e do estresse, equivalente a 61,25% do total.

Trabalho mais intenso

A pesquisa “Como trabalham os comunicadores em tempos de pandemia da Covid-19?”, realizada pelo pelo Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT) da Universidade de São Paulo (USP), aponta em linhas gerais que os profissionais da Comunicação no Ceará estão trabalhando de forma mais intensa durante a pandemia do novo coronavírus. As novas dinâmicas de trabalho adotadas em função da Covid-19 têm tornado o ritmo de trabalho mais pesado, com aumento da jornada de trabalho de até 6 horas diárias.

“Tive redução salarial e de carga horária de 25% apenas no papel. Porque a quantidade de reuniões online, o tempo à disposição da empresa e a quantidade de atualizações de conteúdo fazem com que eu fique ligado no trabalho ao menos oito horas por dia”, diz um jornalista que terá sua identidade preservada. Nesse caso, a orientação da assessoria jurídica do Sindjorce é de que o profissional guarde todas as provas de quando for demandado fora da jornada de trabalho reduzida, para comprovar a irregularidade no cumprimento do acordo individual firmado.


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