Poucas profissões sofreram tantas transformações, nos últimos 20 anos, quanto a dos jornalistas. Hoje, os jornalistas brasileiros são uma categoria profissional predominantemente feminina (63,7%), jovem (59% têm até 30 anos) e branca (72%), segundo a pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro, elaborada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob a coordenação dos professores Jacques Mick e Samuel Lima. A mesma fonte constatou que, entre 1980 e 2010, foram emitidos 145 mil registros profissionais de jornalista, em todo o país.
O perfil é confirmado em outra pesquisa que também virou livro: As mudanças no mundo do trabalho do jornalista (Editora Atlas, 2013), organizado por Roseli Figaro, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e coordenadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT) da ECA. A publicação aponta que “a nova geração de jornalistas é hegemonicamente feminina, com menos de 35 anos, não sindicalizada, de formação política débil, massacrada pelo tipo de empregabilidade a que está submetida e pela densificação do trabalho.
Uma das perguntas do questionário de Roseli Figaro queria saber se o profissional encontrava tempo para planejar sua vida – se tem conseguido planejar para curto, médio ou longo prazo, ou não tem conseguido planejar. Os resultados apontaram que os mais jovens e os profissionais freelancers são os que menos têm conseguido planejar. “Isso quer dizer trabalhar hoje para consumir hoje e não saber como será seu trabalho no ano que vem”, explica.
Adoecimento
O adoecimento, o sofrimento e prazer no trabalho do jornalista foi tema da tese de doutorado de Cristiane Oliveira Reimberg, jornalista e assessora de comunicação social da Fundacentro. O estudo foi baseado em pesquisa qualitativa com 21 profissionais de diferentes veículos e cidades, com idades entre 25 e 82 anos. O estudo questionou a organização e sentido do trabalho, os direitos trabalhistas e o futuro dos jornalistas. Assim como todos os trabalhadores, esses profissionais também estão expostos a vários riscos que afetam a sua saúde física e mental no exercício da atividade.
“Os principais fatores de sofrimento são aqueles ligados à organização do trabalho: precarização do trabalho, longas jornadas, horas extras sem receber pagamento, bancos de horas fictícios (os jornalistas não conseguem tirar as folgas). Então, é muito tempo de trabalho e isso acaba gerando desgaste físico e mental no jornalista, que também é fator de sofrimento”, disse em entrevista ao programa PodPrevenir. O assédio moral também apareceu no estudo. De 21 entrevistados, 15 tiveram algum tipo de contato com a questão do assédio, sejam os que sofreram assédio (6 pessoas) e outros viram ou têm colegas que sofreram assédio moral.
As consequências da atividade laboral têm impacto direto na saúde: pressão alta, dores na coluna, crises de ansiedade, insônia e até depressão. Os jornalistas suportam o sofrimento em função do sentido que dão a atividade – e fazem do reconhecimento do trabalho realizado a principal fonte de prazer no exercício da profissão – aponta a pequisa.
“O sofrimento faz parte de todos os trabalhos porque é humano. O que a gente pode fazer é com que esse sofrimento seja transformado em prazer. No caso do jornalista, a questão dos prazos, do envolvimento para fazer um texto, essas dificuldades que são inerentes a esses trabalhos, esse novo que aparece em cada matéria, isso tudo sempre vai estar presente”, avalia a jornalista da Fundacentro. “Esse sofrimento que seria mais nocivo, mais ligado à organização do trabalho rígida, que não permite que a pessoa viva sua autonomia, isso pode ser modificado”, completa.
O sentido do trabalho é o principal fator que faz com que o sofrimento se transforme em prazer para o jornalista. “O jornalista acredita no que ele faz, no seu papel de contribuir para a efetivação de direitos, com a democracia”, afirma. Ela lembra, ainda, os impactos das novas tecnologias na atividade dos jornalistas. Se de um lado elas trazem facilidades, de outro, intensificam o ritmo de trabalho, aumentando o risco de estresse dos profissionais.
Naturalização e saída coletiva
“A gente conseguiu mostrar como as questões trabalhistas são desrespeitadas no Jornalismo, como elas são aceitas, muitas vezes, com naturalidade, mas ao mesmo tempo, a gente fez com que esses jornalistas refletissem sobre isso e pudessem olhar criticamente para a organização do trabalho; como o envolvimento com a profissão faz com que você aceite essas condições de trabalho ruins e, muitas vezes, as pessoas nem chegam a questioná-las por isso; e como no Jornalismo essa questão do sofrimento e do prazer é muito forte porque, ao mesmo tempo que a gente tem muito sofrimento, o jornalista ainda consegue sentir prazer pelo seu trabalho”, disse Cristiane Reimberg sobre as principais conclusões da sua pesquisa.
Assim como no estudo do psicólogo Roberto Heloani (Vivendo no limite: quem são os nossos formadores de opinião?), a assessora de comunicação da Fundacentro chegou à conclusão de que a saída para o enfrentamento da precarização do trabalho do jornalista é coletiva. “Apesar de apontarem várias questões que, muitas vezes não eram boas, os entrevistados acham que vale a pena ser jornalista. E eu acho que isso é o mais forte e, se por um lado você aceitar, talvez seja isso que possa fazer a gente pensar em fazer o jornalismo diferente e buscar uma união para a categoria, para questionar essas coisas e até um jornalismo que cumpra mais o seu papel efetivamente e cause menos sofrimento”, destaca.