Artigo: Veja, Marcela e a desconstrução da mulher atual pela mídia golpista

Marcela Temer

Por: Samira de Castro*

A mídia brasileira tem sido palco privilegiado para a reprodução de estereótipos de gênero, raça e etnia, além de invisibilização das populações historicamente discriminadas. Atua como um dos principais agentes para a manutenção de crenças, valores, hábitos e comportamentos machistas, sexistas, racistas e etnocêntricos, negando a razão de ser do jornalismo e contribuindo para aprofundar as desigualdades na sociedade brasileira.

O mais recente exemplo do desserviço prestado pela “velha mídia venal e golpista” – uma expressão do saudoso camarada Messias Pontes – é o texto (não ouso chamar de matéria) sobre a mulher do vice-presidente-conspirador-mor da República, Michel Temer, publicado no site da Veja na segunda-feira (18/04). Com o título “Marcela Temer: bela, recatada e ‘do lar’”, a “quase primeira-dama” encarna a imagem da mulher como esposa decorativa.

Assinado pela jornalista Juliana Linhares e publicado um dia depois de Temer e Eduardo Cunha aprovarem na Câmara a admissão do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o texto permite inúmeras leituras. Uma delas é o contraponto entre a jovem e recatada “quase primeira-dama”, que vive para o filho e o marido, e a presidenta que, por diversas vezes, é retratada pela mídia como raivosa e intransigente.

Não é de hoje que as revistas semanais e os jornalões (que agem como panfletos ideológicos) fazem comparações entre Dilma, Marcela e as também vices-primeiras-damas Michele Obama (EUA) e Carla Bruni (Itália) – sendo que as três últimas não são governantes. Basta lembrar que, nas duas eleições de Dilma, os veículos desperdiçaram tempo e papel com “matérias” sobre o figurino usado pela presidenta no dia da posse.

Se fosse um homem, a roupa do dia de receber a faixa presidencial pouco importaria – e realmente não é isso o que importa! Veja, aliás, já dedicou páginas ao figurino de Dilma mesmo antes de ser presidenta (o título da matéria era “Vestida para mandar”). O fato é que a mídia não perdoa uma mulher no cargo mais elevado da nação. Características que seriam admiradas em homens – como firmeza e uma certa dose de ira – são rechaçadas e condenadas pela mídia em Dilma.

A blogueira feminista Lola Aronovich, em um post sobre o texto de Veja, ressalta que “primeira-dama já é um termo machista porque não existe equivalente pra homem”. “Não existe porque o que se espera é que o homem seja o político que está no poder, enquanto a mulher seja apenas sua esposa”, afirma Lola.

Marcela Temer pode ser o que desejar, inclusive uma “vice-primeira-dama do lar”. Tem o direito de viver para o filho e o marido, ir ao salão de beleza e ao dermatologista, usar “vestidos na altura dos joelhos”. Não devemos julgá-la e condená-la por suas escolhas. Devemos é combater o discurso de Veja que apregoa o “modelo exemplar” de mulher, reproduzindo estereótipos, preconceitos e estigmas sobre todas nós, inclusive Marcela.

O episódio “Marcela” mostra que a consolidação de uma imprensa livre e independente somente será possível quando a mídia eliminar todos os mecanismos que favorecem a exclusão e a subordinação das mulheres e das populações negra, indígena e LGBTT. Ter uma imprensa que realmente cumpra com a função social do jornalismo passa pelo fim da dominação masculina e da discriminação de gênero, raça e etnia na mídia.

 

  • Samira de Castro é jornalista formada pela UFC, presidente do Sindjorce e 2ª Tesoureira da FENAJ

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