O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Estado do Ceará – CEDDH vem a
público se solidarizar com as famílias das vítimas dos últimos episódios de violência e
manifestar sua indignação com a chacina ocorrida no último dia 27 de janeiro no bairro
Cajazeiras, em Fortaleza e as execuções ocorridas menos de 72h depois na Cadeia Pública de Itapajé. Nos solidarizamos também, com os moradores e moradoras das comunidades que tem suas vidas inviabilizadas: prejudicados(as) em seu direito de ir e vir, de realizar suas atividades cotidianas e acessarem os serviços públicos, numa condição em que as próprias servidoras e servidores que atuam nos territórios das violências estão sob riscos à sua integridade.
Em 2017, ocorreram 5.134 homicídios no Ceará. 981 deles vitimaram adolescentes de 10 a 19 anos. O ano de 2017 também registrou recorde de mortes por intervenção policial atingindo 161 vítimas. Em 2017, o Ceará também registrou o 4º maior número de assassinatos de pessoas trans. O último período foi igualmente marcado por brutais casos de estupros de mulheres e vulneráveis, enquanto os feminicídios chegaram à triste marca de 154 em 2017.
Também nos preocupamos com os riscos aos militantes comunitários, e nos consternamos
com o assassinato, no último dia 31 de Janeiro, de Simone Silva Vasconcelos, no bairro
Sabiaguaba, mulher atuante na luta pelo direito comunitário à moradia e ao território.
Resta evidente que as políticas de segurança pública, em especial a política sobre drogas e
tráfico de armas, focadas no armamento e repressão tem sido ineficazes para garantir o direito de todos e todas à uma vida pacífica. Além dos inúmeros casos que chegam a este Conselho, que denotam o nível de violência institucional que vivenciamos no Estado, é explícito que o hiper encarceramento só tem alimentado o escalonamento da violência no Ceará.
Constatamos que essas políticas, além de não resolverem, agravam a situação e se tornam
parte do genocídio da população negra de todas as idades, em especial, adolescentes e jovens, e explicitam o racismo estrutural, o qual o Estado, em seu dever de segurança pública, não pode mais se furtar a compreender e atuar de forma contundente. Neste sentido, este Conselho entende que as chacinas não podem ser consideradas ocorrências episódicas e isoladas. Vários foram os eventos comunicados e tratados por esta instância: chacinas, dentro e fora das penitenciárias, como a trágica chacina de Messejana ou o massacre nas penitenciárias em maio de 2016. Estes dois fatos por si anunciam que não vivemos uma excepcionalidade conjuntural em razão da violência.
Entendemos que as políticas de segurança pública requerem estratégias capazes de enfrentar a gravidade da situação atual e agir em curto, médio e longo prazo. Defendemos ainda que estas estratégias sejam adotadas tendo em vista modificar o paradigma de violência no qual se apoiam as ações de segurança pública até aqui adotadas e que findam por colocar as pessoas, especialmente as populações pobres e discriminadas, sob constante risco e vulnerabilidade.
Nessa perspectiva, reivindicamos do Governo do Estado:
1. A abertura de um diálogo direto entre o Governador do Estado do Ceará e a sociedade
civil, incluindo os movimentos e coletivos comunitários, notadamente as juventudes e
mulheres, para construir coletivamente políticas que dialoguem mais com a realidade
da insegurança pública em sua complexidade em Fortaleza e municípios vizinhos.
Uma das referências para essas políticas são as recomendações do Comitê Cearense
pela Prevenção de Homicídios de Adolescentes;
2. O fomento à atuação integrada dos Programas de Proteção: Programa de Proteção às
Vítimas e Testemunhas (Provita); Programa de Proteção à Criança e Adolescentes
Ameaçados de Morte (PPCAM), e Programa de Proteção aos Defensores e Defensoras
de Direitos Humanos (PPDDH), com vistas a fortalecer medidas urgentes e também
continuadas, para integridade das famílias das vítimas e garantias emergenciais de
atenção à saúde mental e outras necessidades materiais, assim como a instalação do
Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à tortura no Estado do Ceará;
3. O esforço interinstitucional dos poderes públicos executivos, legislativos e judiciário
para enfrentar de forma eficaz o hiperencarceramento nas unidades prisionais e
sistema socioeducativo masculinos e femininos;
4. Medidas de enfrentamento ao tráfico de armas e a corrupção estrutural das polícias;
5. Aumento dos investimentos na Inteligência policial e busca de apoio da Inteligência da polícia federal;
6. Tomada de medidas de proteção e garantia de condições de segurança para servidoras
e servidores públicos que atuam nos territórios de violência;
7. O fortalecimento de políticas de prevenção adequadas à realidade e atenta aos direitos
humanos;
8. O esforço governamental para mobilizar os poderes públicos para enfrentar a cultura
de ódio e legitimação da crueldade contra as comunidades pobres, promovida pela
grande mídia e nas redes sociais com participação direta de agentes da segurança
pública;
9. Ações emergenciais de educação para dialogar com a população sobre seus direitos
com vistas a construir uma cultura de direitos humanos.
Fortaleza – CE, 31 de janeiro de 2018.