No contexto de 12,5 milhões de desempregados e 23 milhões de trabalhadores por conta própria, “os sindicatos precisam não só se readaptar [às mudanças no mundo do trabalho], mas propor algo novo”. É o que afirma Fausto Augusto Júnior, coordenador de Educação do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socieconômico (Dieese), que esteve em Fortaleza, na última terça-feira (10 de setembro), participando da reunião ampliada da Direção da Central Única dos Trabalhadores no Ceará (CUT-CE), onde palestrou sobre “Conjuntura nacional e o impacto na estrutura sindical brasileira”.
“O sindicato [atual], para lidar com esse novo mundo, não atrai ninguém. Porque a gente precisa de utopia. Se a gente não tiver uma proposta de um outro mundo, a gente não atrai ninguém”, resumiu o coordenador técnico do Dieese Nacional, que é doutorando na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) e possui graduação em Ciências Sociais. Essa utopia – de um mundo justo, igualitário e com proteção social – já foi chamada de socialismo, lembrou Fausto.
“Quem é o maior concorrente dos sindicatos hoje? Quem está na base organizando os trabalhadores? As igrejas. Elas prometem um futuro que a gente não consegue prometer”, provocou o palestrante em meio a uma platéia composta por dirigentes sindicais cearenses, entre os quais, a diretora de Comunicação, Cultura e Eventos do Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce), Samira de Castro. Para ele, a grande questão que se coloca para o sindicalismo brasileiro diz respeito não só à representação, mas à representatividade da classe trabalhadora, que não é mais composta majoritariamente de profissionais celetistas urbanos – o chamado chão de fábrica.
A preocupação do palestrante reside no fato de estar aumentando o contingente de trabalhadores desempregados (12,5 milhões), sem falar nos informais e nos subcontratados, ao passo em que os sindicalizados somam 10 milhões de pessoas (veja números no final do texto). “Além de a gente representar apenas 40% do total de ocupados, essa representação está diminuindo rapidamente”, disse. “O mundo que a gente representa, de pouco mais de 30 milhões de trabalhadores, está mudando e a gente precisa pensar como vamos representar esse cabras todos. Antigamente, a gente representava contratos de CLT e [por tempo] determinado. Cada vez mais, esse núcleo duro tem indeterminado, temporário, prazo determinado, intermitente, home office e hipersuficiente”, elencou.
Fausto Augusto Júnior lembrou, ainda, que nenhum sindicato representa quase 40% dos trabalhadores informais e, se não repensarem suas estratégias, a situação tende a se agravar com a Lei da Terceirização irrestrita aprovada no breve Governo Temer. “Na maior parte das empresas grandes, a gente representa o chão da fábrica. Esse chão de fábrica está sendo todo terceirizado… Nas empresas, tem um outro grupo que está aumentando: terceiros, autônomos e PJs. Esse é um enorme dilema pra nós. Se a gente não enfrentar este desafio, a gente não consegue pensar o movimento sindical pra frente”.
Para o coordenador do Dieese, “a pior medida que foi aprovada na lei de reforma trabalhista não foi o fim do imposto sindical. Foi a liberação da terceirização na área fim porque ela desconstrói todas as categorias como elas são conhecidas”. “O sindicato que a gente conhece hoje já foi diferente e, no futuro, tem chance de ser mais diferente ainda”, ponderou, lembrando do modelo mutualista que vigorou até a década de 1930, passou pelo assistencialista até 1988 e chegou ao que conhecemos hoje: de sindicatos negociadores.
Modelo chileno x fortalecimento das centrais
No contexto de destruição dos direitos trabalhistas e sociais do Governo Bolsonaro, Fausto chamou a atenção para a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes , de implantar no Brasil o modelo chileno de sindicalismo, que fragmenta ainda mais a representação classista. “A proposta do Guedes é um modelo sindical chileno: um sindicato por unidade. Assim, cada prédio do Walmart vai poder ter um sindicato. Não é um sindicato de comerciários, nem um sindicato dos trabalhadores do Walmart. É um sindicato por unidade de produção. Isso vai resultar em milhões de sindicatos que, na prática, não significam nada. Um companheiro chileno chama isso de sindicato individual”, explicou.
A contraofensiva a esse modelo individualista de representação é, segundo Fausto, reforçar a unidade da classe trabalhadora, via centrais sindicais. “O que mais me assusta nesse momento é que, para manter um sindicalismo que está acabando, estamos desconstruindo as bases do que historicamente o movimento sindical construiu para lidar com essa realidade, que são as centrais sindicais. Em nome de manter os sindicatos, nós estamos desconstruindo as centrais sindicais, sem repassar as contribuições [financeiras]. A central nasceu para representar a unidade da classe trabalhadora. Temos que repensar rapidamente o que nós vamos construir nessas novas funções”, pontuou.
As situações que já estão colocadas para o sindicalismo brasileiro vão estar em debate no 13º Congresso Nacional da CUT, lembrou Fausto. Porém, ressaltou que sua fala era de otimismo: “É possível e é necessário fazer um outro tipo de organização. A gente precisa encontrar pautas que nos unifiquem. Uma delas é defender direitos, sejam eles trabalhistas, na saúde, na educação, etc”.
Economia solidária e novas formas de organização
Para Fausto, os novos tempos exigem um sindicalismo diferente. “É preciso pensar uma economia solidária, um mundo multicultural, uma disputa de mundo sem potência, mais ecológico, que a tecnologia possa nos dar mais tempo livre já que a gente vive mais – e a gente tirou das nossas pautas, por exemplo, redução da jornada de trabalho. Nós esquecemos da economia solidária. Hoje a tecnologia permite coisas na economia solidária que a gente não discute mais”, alertou.
“Se a gente não pensar em algo que faça uma proposta mais objetiva e que mude a realidade concreta das pessoas, a gente vai ter muita dificuldade de fazer a transformação desse sindicalismo. Transformar o sindicalismo não é só se adaptar ao que está aí, é propor algo novo”, resumiu o coordenador de Educação do Dieese. Sua palestra foi elogiada pelos presentes que mostraram algumas experiências exitosas realizadas no Ceará, como a filiação de terceirizados em educação e no serviço público, além das mobilizações em defesa das estatais.
Mercado de trabalho brasileiro em números
170 milhões de pessoas em idade ativa – PIA (acima de 14 anos)
65 milhões de crianças/ jovens e aposentados na PIA
8 milhões de pessoas entram e saem do mercado de trabalho o tempo todo
150 milhões de pessoas na população economicamente ativa (PEA)
12,5 milhões de pessoas desempregadas
90 milhões de trabalhadores ocupados, sendo 23 milhões trabalham por conta própria; 2,2 milhões trabalham para a família (agricultura familiar); 4 milhões são empregadores (empresários)
6,3 milhões de trabalhadores domésticos
40 milhões de trabalhadores são representados pelos sindicatos (incluindo setor público e privado)
10 milhões de trabalhadores são sindicalizados