“A grande mídia há muito tempo deixou de cumprir sua função social, o que justifica suas concessões (caso das emissoras de rádio e televisão)”, resumiu o jornalista e escritor Paulo Moreira Leite, argumentando que o caráter ideológico e anti-nacional da cobertura feita pelos grandes veículos brasileiros acabou por naturalizar, entre a população, um discurso legitimador de um novo golpe de estado. O editor do jornal digital Brasil 247 debateu a necessidade de democratização dos meios de comunicação, no Seminário Mídia e Democracia, promovido pelo Movimento Democracia Participativa em Fortaleza, na última quinta-feira (9/07). O evento reuniu mais de 200 pessoas no auditório da Universidade do Parlamento (Unipace).
“O papel que a mídia está cumprindo hoje é um esforço de domínio do aparelho de Estado brasileiro, a partir da operação Lava Jato”, afirmou o jornalista, pondo em xeque a cobertura midiática da investigação deflagrada pela Polícia Federal em março de 2014, sobre esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, empreiteiras e políticos. Para ele, há uma clara tentativa de “colar” o estigma da corrupção no Partido dos Trabalhadores (PT), tentando respingar na imagem da presidente Dilma Rousseff, o que seria motivo para um golpe disfarçado de impeachment. “A maior parte dos políticos envolvidos é do Partido Progressista (PP). E não há qualquer indício contra a presidente Dilma”, lembrou.
A Lava Jato, segundo o jornalista, utiliza o mesmo modelo de trabalho da operação Mãos Limpas, desencadeada na Itália, nos anos 1990, revelando um grande esquema de corrupção envolvendo partidos políticos e empreiteiras. O próprio juiz Sérgio Moro (que conduz o trabalho jurídico na Lava-Jato) tem destacado a “inspiração” em entrevistas e artigos. Além do tema corrupção, a similaridade é a grande espetacularização do trabalho dos agentes de Estado envolvidos (juízes, promotores, procuradores e a Polícia Federal), com delações premiadas cujos conteúdos, embora sigilosos, sempre são vazados para os grandes veículos de comunicação.
Tentativa de legitimação do discurso golpista
Paulo Moreira Leite destacou que o início da Lava Jato foi uma escuta telefônica não autorizada pela justiça – o que a mídia não questionou, assim como o fato de as investigações estarem concentradas no Paraná, sendo que as operações eram realizadas no Rio de Janeiro e em São Paulo, além do fato de os envolvidos não residirem em Curitiba. “O caráter indispensável do apoio da mídia para o que está acontecendo hoje no Brasil se comprova pelo fato de Moro ter recebido, em 2014, prêmios da Veja, Época, IstoÉ e O Globo”, afirmou.
Para o jornalista, o desenrolar da cobertura é que a mídia naturaliza conversas sobre golpe de Estado, levando o assunto às mesas de bar. “A mídia é fiadora desse processo” disse, apontando unidade dos discursos de oposição contra o governo democraticamente eleito. “O monopólio da mídia atua intensamente: transformou o desejo da oposição e dos donos dos meios de comunicação em conversa, como se fosse realidade”. Em resumo, o Brasil vive hoje o que o editor do Brasil 247 chama de casamento entre a justiça e a mídia, contando com a postura omissa do Supremo Tribunal Federal (STF).
Regulamentação da Comunicação andou para trás
Falando a uma plateia não só de jornalistas, mas dirigentes sindicais, estudantes, professores, intelectuais e políticos, Paulo Moreira Leite reconheceu que, no Brasil, o processo de regulamentação da mídia andou para trás, ao contrário do que aconteceu na Argentina, Inglaterra e outros países. “Até a Lei de Imprensa, que garantia alguma proteção (do direito de resposta), foi abolida. O Brasil é um dos poucos países do mundo em que o mercado (de comunicação) é realmente soberano”, frisou.
O jornalista reforçou a internet como espaço possível para a divulgação do contraditório. Não que a rede mundial de computadores seja um espaço neutro. “A internet também é dominada pelas corporações e grupos de mídia. A diferença é que ali você tem espaço”, disse, acrescentando que “a internet é a porta da resistência, da difusão do que é verdadeiro”.
Para o jornalista, 2015 é um ano mais difícil para a luta pela democratização da mídia no Brasil. “Não temos maioria no Congresso”. No entanto, ele destacou a necessidade de “uma luta prática” neste campo. “Temos que aproveitar as brechas e espaços para contar os fatos como eles realmente são. Porque o outro lado não vai dar”. Prova disso é o jornal digital Brasil 247, que produz e distribui conteúdo ideológico progressista. “A gente não pode se portar como se só o nosso adversário tivesse ideologia”, pontuou.
Por: Samira de Castro
Foto: Evilázio Bezerra