“Existem Negros/as no Ceará?” é o tema do segundo encontro do Curso Abdias Nascimento – Comunicação e Igualdade Racial, que acontece na próxima terça-feira, 28 de agosto, às 18 horas. São convidadas deste encontro as pedagogas Samia Paula dos Santos Silva, Doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e Emanuela Ferreira Matias, mestranda em Educação também pela UFC.
Samia atua nos temas movimentos sociais, educação popular e escola, e cultura e relações étnico raciais. Já Emanuela integra o Grupo Ética, diversidade étnico-racial e currículo da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
As convidadas, junto à coordenação pedagógica do Curso, conduzirão o debate sobre a reconstrução da identidade do negro no Ceará e a história da população negra, denunciando o processo de invisibilidade do grupo populacional no estado.
Como leitura prévia para o encontro, apresentamos os textos a seguir:
EXISTEM NEGOS NO CEARÁ?
Análise de Emanuela Ferreira Matias:
Segundo dados da última PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, publicada em 2017, a população que se auto declara negra no estado do Ceará triplicou, chegando a um total de 146 mil pessoas, tendo um aumento de 47% entre 2012 e 2016. A última PNAD apontava apenas 57 mil habitantes que se reconheciam com negros. Isto é fruto das políticas afirmativas implementadas pelo o governo federal a partir dos anos de 2003. Os estudos historiográficos feitos por pesquisadores têm contribuído para o desvelar de uma outra história do negro no Ceará, que é reconhecido por não ter negros no Estado.
O Estado sofre influência de país da África, Congo e Angola. Os negros escravizados no Estado trabalharam na Região do Cariri em busca de ouro, e em outras regiões do Estado com atividade agrícola, pecuária e na vida doméstica da casa grande. Tendo em vista a presença africana, a formação da população do Ceará vai ter fortes influências africanas. Cunha Junior e Santos (2010) afirmam que esta influência é notada na cultura do Reisado, das Congadas, do Maracatu que representa a Coroação da Rainha do Congo, nomes dados a alguns municípios como Mulungu, Mombaça e outros.
A própria marca religiosa é um traço importante do negro na história do Ceará. A Igreja do Rosário, criada pela irmandade do homens pretos foi a nossa primeira catedral do Estado, quando Fortaleza se tornava capital em 1799. Há registro da irmandade dos homens pretos em diversos municípios do Ceará, bem como também as religiões de matriz africana como o Candomblé e a Umbanda.
O fato do Ceará ser o primeiro Estado a libertar os escravizados, em 25 de março de 1884, não significou que viveu harmoniosa a escravidão. A própria existência dos quilombos do Estado é uma marca forte dos negros e que traz um diagnóstico que a escravidão do Ceará não aconteceu de forma branda como contam alguns historiadores. Os quilombos são sinais e provas de lutas e resistência do negro no Estado. Hoje, são reconhecidos no Estado mais de 85 quilombos.
As populações negras, assim como no Brasil após a abolição, no Estado, passaram a viver livre mais sem as mínimas condições de vida. Com os históricos de secas no Estado, essas mesmas populações negras, que também formavam os quilombos, descem para a Capital e passam a viver na área litorânea. Com as transformações na cidade, políticas de urbanizações da cidade, construções de rodovias e avenidas, essas populações foram remanejadas através de um processo de desapropriação dos terrenos para fins de interesse público e vão morar nas periferias da cidade. Vários bairros da periferia de Fortaleza vão ser criados nas décadas de 50, 60 e 70 por conta dessas transformações.
Os bairros de periferia vão se construir nesse processo de segregação espacial, ficando longe dos centros urbanos, sendo colocados longe da vida cotidiano da cidade do centro, da Beira Mar. As periferias têm, em sua maioria, negros e pardos, que por estar nas periferias da cidade, o processo de investimentos e gastos públicos funcionam de forma desigual. Quem tem menos necessidades, tem mais investimentos público e quem mais precisa, sofre os descasos dos governos. O povo, por sua vez, por conta das necessidades básicas, tem a necessidade de se articulares em movimentos políticos para a busca de seus direitos como saúde, educação, saneamento básico, moradia etc.
Os jovens das periferias de Fortaleza, também a grande maioria negra, são vítimas do racismo institucional. Todos os dias, nas periferias, morrem jovens negros. De acordo com os dados do Mapa da Violência de 2018, são na sua maioria jovens negros menores de 18 anos. O descaso com as populações negras no Estado ultrapassou o tempo e ainda amargamos o racismo estrutural que perpassa todas as problemáticas do negro na sociedade desde a escravidão até os dias de hoje.
Análise de Samia Paula dos Santos Silva:
O questionamento que dá título a esse texto é colocado cotidianamente em vários setores sociais, especialmente em meio a discussões de lutas pelos direitos e melhorias das condições de vida das populações negras. Nessas situações, a falta de conhecimento relaciona-se com o racismo e nega a presença desse grupo étnico no território, com a visível intenção de negar seus direitos. Esse é um dos motivos que nos levam a refletir sobre a presença e contribuições desses povos no Estado do Ceará.
Os quilombos estão presentes no Estado do Ceará desde sua formação no período colonial, esses foram constituídos por africanos que lutavam por liberdade e vinham de fazendas de estados vizinhos. No território cearense, muitas foram as formas de exploração do trabalho escravos; dentre tantas destacamos as produções de gado e seus derivados (couro e carne do sol), algodão, os engenhos de cana de açúcar e as construções rurais e urbanas.
As comunidades quilombolas atualmente lutam para existir, de forma que sua herança cultural e de resistência histórica seja considerada pela sociedade, ao mesmo tempo que suas populações atuais precisam ser destacadas como produtoras de culturas com experiência adquiridas e passadas às gerações seguintes através, principalmente, da oralidade, vale ressaltar que essa também e uma prática muito vista nas sociedades africanas bantu.
A maior parte dessas comunidades são rurais e vivem da agricultura de subsistência, muitas delas sofrem com a falta de reconhecimento dos governantes, de outros grupos que compõem o Estado e principalmente por moradores que não se auto reconhecem como quilombolas.
Apesar do reconhecimento do governo federal e a realização de alguns projetos que ajudem a melhorar as condições de vida dos moradores, essas condições ainda estão aquém do ideal para que eles tenham vida com dignidade.
Algumas dessas comunidades ainda precisam de elementos essenciais para a vida humana, como o abastecimento de água, que em alguns desses lugares acontece de forma irregular. Outra dificuldade enfrentada pelos quilombolas é a de locomoção, pois os grupos de quilombos são formados em muitos casos em vilarejos pertencentes as cidades mais próximas, esse elemento faz surgir um problema que gera muitos outros: a dificuldade de locomoção e difícil acesso a serviços básicos como saúde e educação.
Poucos moradores remanescentes de quilombo têm transporte próprio, a maior parte normalmente utiliza os transportes coletivos pagos como, por exemplo, o pau-de-arara, esses carros particulares com carroceria e que carregam os doentes para o hospital da cidade sede, quando na comunidade ainda não tem ambulância. São também estes que servem aos moradores para outros fins.
No território cearense estão situadas mais de 85 comunidades de quilombos com os processos de titulação e reconhecimento em situações distintas, mas que se caracterizam como resultado das lutas ancestrais dos movimentos sociais dessas localidades e dos grupos organizados em favor dessa causa.
Os bairros periféricos do Ceará, situados principalmente em Fortaleza e região metropolitana, são igualmente considerados territórios negros. Esses lutam e resistem historicamente para ocupar o seu espaço social, ter acesso a seus direitos enquanto parte do estado cearense, e não serem oprimidos pelo próprio estado que não dá assistência básica a seus moradores ou pelos agentes do crime que utilizam dessa ausência do governo para ocupar espaço dentro do território.
A repressão policial exercida sobre a população negra é um fator de discriminação vista com muita frequência, especialmente nas periferias. A pessoa negra é constantemente alvo das abordagens violentas da polícia. Os negros, nesse caso, parecem ser considerados criminosos em potencial, ou seja, são sempre os principais suspeitos de crimes.
A resistência das comunidades negras nasce praticamente junto coma a história do Brasil, essa, porém, persiste até os dias atuais com a sobrevivência social e cultural das comunidades quilombolas e periféricas do Estado do Ceará, através dentre outros elementos da manutenção das tradições.
Diante dessa realidade, temos a intenção de contribuir com a valorização dos povos negros, proporcionando visibilidade às suas histórias, culturas e tradições, mas principalmente permitindo a discussão de suas principais aflições e problemas para que de forma conjunta, através das problematizações com diversos grupos, direcione as soluções.
Em caso de dúvidas, entre em contato conosco:
Rafael Mesquita – rafaelmesquita.rm@gmail.com
Silvia Maria Vieira dos Santos – arrupiada13@gmail.com